Peleja virtual com Arievaldo Viana, Paiva Neves, Stélio Torquato Lima e Rouxinol do Rinaré
Por Paiva Neves
Corria o mês de setembro. Sei disso com precisão
porque minha memória olfativa ainda conserva o cheiro de terra molhada,
provocado pela chuva do caju e dos cajueiros que começavam a florir. O ano era
2013. Era uma noite de sábado. Eu, como de costume, expunha folhetos para
venda, na banca do Projeto cordel com a
corda toda, no Centro cultural Dragão
do Mar. As vendas eram poucas e raro aparecia um freguês para comprar
folhetos, já que não era alta estação e, por ser sábado, o público do espaço
era composto hegemonicamente por jovens que vinham beber vinho e dançar rap.
A calmaria provocava sono e o poeta-folheteiro, para
passar o tempo, mexia no celular. A preguiça, aliada da falta do que fazer, foi
tomando encosto e assim, o celular já sem utilidade foi deixado sobre os
folhetos e o poeta espreguiçou-se por sobre Grilos, Cocos Verdes e melancias,
Pavões misteriosos e Cancões de fogo. Esparramado sobre os folhetos foi
surpreendido por um amigo que passou e fez a fotografia.
Achei a foto boa e inusitada. Com uma legenda,
seguindo o costume presente de exposição do privado ao público, pelas redes
sociais, imediatamente, publiquei, com uma legenda, a foto no facebook. Quase
que instantaneamente vi a foto republicada, em uma postagem do poeta Arievado
Viana, com um rato sobre os folhetos a frase, a seguir transformada em glosa
“se agarre com os folhetos, se não o rato carrega”, uma nota explicativa e uma
estrofe de sete versos em que os dois últimos eram a frase acima.
No ônibus, já a caminho de casa, respondi nos
comentários com uma décima, seguindo o mote dado. Aos domingos eu fazia um
programa de rádio na cidade de Pacajus, região metropolitana de Fortaleza e, só
a caminho desta cidade fui acessar novamente o facebook e percebi que o poeta
havia escrito já uma série de estrofes na publicação e que outros poetas haviam
entrado na peleja virtual, que perdurou até altas horas da noite do domingo.
Essa peleja resultou em nova publicação, agora no blog
Acorda Cordel, mantido pelo poeta Arievaldo Viana, com a participação dos
poetas Stélio Torquato Lima e Rouxinol do Rinaré . Reproduzo a segui, sua
postagem.
O poeta Paiva Neves publicou esta foto no facebook,
retratando sua banca de folhetos no Dragão do Mar. Sem o rato, é claro. Tive a
idéia de provocá-lo para um debate, do qual participaram também os poetas
Rouxinol do Rinaré e Stélio Torquato:
O RATO VEM E CARREGA
ARIEVALDO:
Tem que fazer uma entrega
Entregar seus sentimentos
Sem entregar o colega
Depois que fizer sonetos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!
PAIVA NEVES:
Na banquinha do cordel,
Meu amigo menestrel
De versejar criativo
Paiva Neves é cativo
De sua obra e não nega,
Enfrenta qualquer refrega
De dez pés até tercetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega
STÉLIO TORQUATO:
Aniquile-se o perigo,
Importa, meu bom amigo,
Vigiar bem seu produto.
Assim, com olhar astuto,
Não se descuide, colega:
Enquanto um olho sossega,
Vela o outro os livretos.
E se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.
ARI
Uma praga de cupim
Um inseto muito ruim
Por aqui apareceu
E na coleção comeu
Folhetos do meu colega
Depois de grandes refregas
Os matei com carburetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega!
É realmente cruel:
Ingere livro, cordel
E tudo que é afim.
Voracidade assim
A rataria congrega.
Todo poeta “arrenega”...
Logo, o amigo dos versetos
Deve agarrar os folhetos
Ou vem o rato e carrega.
ARI
Mas é bicho interesseiro
Quando vê um folheteiro
Agarra logo o ‘João Grilo’
‘Malazartes’, seu pupilo
E ‘Cancão’, seu bom colega
Sendo gatuno ele agrega
Os leva como amuletos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!
STELIO
Junto a Paiva estão,
Como João Grilo, Cancão
E o tal Pedro Malazartes.
Cuidado com suas artes,
Que a desatenção nos cega.
Quem em bons mares navega
Não tem no armário esqueletos.
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega!
ARI
Eu vendia os meus cordéis
Quando chegou, de revés
Um tremendo guabiru
Mesmo sem trazer tutu
Remexeu minha ‘bodega’
Tudo que vê, logo pega,
Saiu a custa de espetos!
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega.
Minha ação nesta peleja,
Pois é mister que eu esteja
Em breve em plena estrada.
Volta pra sua morada
Este que a estrada pega.
A lição não desapega
Dos olhos míopes e pretos:
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!
PAIVA
Da cidade de Horizonte,
Na estrada tinha um monte
De animal, e um jumento
Lá daquele ajuntamento
Relinchou, me deu esbrega
Dizendo: vê se sossega
Rime lenha com gravetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.
ROUXINOL
Ta chovendo “cordelista”
Gente que “parou na pista”
Com uma poética “foda”
Vamos fazer uma poda
Dá nesses tais um “esbrega”
Senão todo esse mal pega
Nos vilarejos e guetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!
ARI
O papangu de quaresma
Esse poeta-abantesma
Que o verso desmetrifica
Se remenda, pior fica
Entretanto não sossega
Vai na praia, vai no brega
Berrando seus poemetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!
ROUXINOL:
Estão tendo muito espaço
Pondo os incautos no laço
Com um versejar infiel
Amarga igualmente o fel
E engana essa gente “cega”
Se essa moda ruim pega
Vou usar mil amuletos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!
Tem poeta sem respaldo
Metido a pesquisador
Tem cordelista impostor
Que o verso não dá um caldo
Essa semente eu escaldo
E não guardo em minha adega
Porque joio em minha sega
Tem o valor dos gravetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o diabo carrega!
* * *