quinta-feira, 9 de julho de 2020

Se agarre com os folhetos se não o rato carrega


Peleja virtual com Arievaldo Viana, Paiva Neves, Stélio Torquato Lima e Rouxinol do Rinaré
Por Paiva Neves 
          Corria o mês de setembro. Sei disso com precisão porque minha memória olfativa ainda conserva o cheiro de terra molhada, provocado pela chuva do caju e dos cajueiros que começavam a florir. O ano era 2013. Era uma noite de sábado. Eu, como de costume, expunha folhetos para venda, na banca do Projeto cordel com a corda toda, no Centro cultural Dragão do Mar. As vendas eram poucas e raro aparecia um freguês para comprar folhetos, já que não era alta estação e, por ser sábado, o público do espaço era composto hegemonicamente por jovens que vinham beber vinho e dançar rap.

    A calmaria provocava sono e o poeta-folheteiro, para passar o tempo, mexia no celular. A preguiça, aliada da falta do que fazer, foi tomando encosto e assim, o celular já sem utilidade foi deixado sobre os folhetos e o poeta espreguiçou-se por sobre Grilos, Cocos Verdes e melancias, Pavões misteriosos e Cancões de fogo. Esparramado sobre os folhetos foi surpreendido por um amigo que passou e fez a fotografia.
       Achei a foto boa e inusitada. Com uma legenda, seguindo o costume presente de exposição do privado ao público, pelas redes sociais, imediatamente, publiquei, com uma legenda, a foto no facebook. Quase que instantaneamente vi a foto republicada, em uma postagem do poeta Arievado Viana, com um rato sobre os folhetos a frase, a seguir transformada em glosa “se agarre com os folhetos, se não o rato carrega”, uma nota explicativa e uma estrofe de sete versos em que os dois últimos eram a frase acima.
         No ônibus, já a caminho de casa, respondi nos comentários com uma décima, seguindo o mote dado. Aos domingos eu fazia um programa de rádio na cidade de Pacajus, região metropolitana de Fortaleza e, só a caminho desta cidade fui acessar novamente o facebook e percebi que o poeta havia escrito já uma série de estrofes na publicação e que outros poetas haviam entrado na peleja virtual, que perdurou até altas horas da noite do domingo.
       Essa peleja resultou em nova publicação, agora no blog Acorda Cordel, mantido pelo poeta Arievaldo Viana, com a participação dos poetas Stélio Torquato Lima e Rouxinol do Rinaré . Reproduzo a segui, sua postagem.
O poeta Paiva Neves publicou esta foto no facebook, retratando sua banca de folhetos no Dragão do Mar. Sem o rato, é claro. Tive a idéia de provocá-lo para um debate, do qual participaram também os poetas Rouxinol do Rinaré e Stélio Torquato:

O RATO VEM E CARREGA
 (Reflexões sobre a Literatura de Cordel)

 ARIEVALDO:
 Quem vive da poesia
Tem que fazer uma entrega
Entregar seus sentimentos
Sem entregar o colega
Depois que fizer sonetos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

PAIVA NEVES:
 Manterei o olho vivo
Na banquinha do cordel,
Meu amigo menestrel
De versejar criativo
Paiva Neves é cativo
De sua obra e não nega,
Enfrenta qualquer refrega
De dez pés até tercetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega

 STÉLIO TORQUATO:
 Para que, em absoluto,
Aniquile-se o perigo,
Importa, meu bom amigo,
Vigiar bem seu produto.
Assim, com olhar astuto,
Não se descuide, colega:
Enquanto um olho sossega,
Vela o outro os livretos.
E se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.

 ARI
 Aqui em casa já deu
Uma praga de cupim
Um inseto muito ruim
Por aqui apareceu
E na coleção comeu
Folhetos do meu colega
Depois de grandes refregas
Os matei com carburetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega!

 STÉLIO:
 A tal praga de cupim
É realmente cruel:
Ingere livro, cordel
E tudo que é afim.
Voracidade assim
A rataria congrega.
Todo poeta “arrenega”...
Logo, o amigo dos versetos
Deve agarrar os folhetos
Ou vem o rato e carrega.

 ARI
 O rato não pesa um quilo
Mas é bicho interesseiro
Quando vê um folheteiro
Agarra logo o ‘João Grilo’
‘Malazartes’, seu pupilo
E ‘Cancão’, seu bom colega
Sendo gatuno ele agrega
Os leva como amuletos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

 STELIO
 Cabras de todas as partes
Junto a Paiva estão,
Como João Grilo, Cancão
E o tal Pedro Malazartes.
Cuidado com suas artes,
Que a desatenção nos cega.
Quem em bons mares navega
Não tem no armário esqueletos.
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega!

 ARI
 Na cidade de Iguatu
Eu vendia os meus cordéis
Quando chegou, de revés
Um tremendo guabiru
Mesmo sem trazer tutu
Remexeu minha ‘bodega’
Tudo que vê, logo pega,
Saiu a custa de espetos!
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega.

 STÉLIO
 Encerro, dupla amada,
Minha ação nesta peleja,
Pois é mister que eu esteja
Em breve em plena estrada.
Volta pra sua morada
Este que a estrada pega.
A lição não desapega
Dos olhos míopes e pretos:
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

 PAIVA
 Eu cheguei nesse momento
Da cidade de Horizonte,
Na estrada tinha um monte
De animal, e um jumento
Lá daquele ajuntamento
Relinchou, me deu esbrega
Dizendo: vê se sossega
Rime lenha com gravetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.

 ROUXINOL
 Hoje o cordel tá na moda
Ta chovendo “cordelista”
Gente que “parou na pista”
Com uma poética “foda”
Vamos fazer uma poda
Dá nesses tais um “esbrega”
Senão todo esse mal pega
Nos vilarejos e guetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!

ARI
 É igual couro de pica
O papangu de quaresma
Esse poeta-abantesma
Que o verso desmetrifica
Se remenda, pior fica
Entretanto não sossega
Vai na praia, vai no brega
Berrando seus poemetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!

 ROUXINOL:
 Esses ratos do cordel
Estão tendo muito espaço
Pondo os incautos no laço
Com um versejar infiel
Amarga igualmente o fel
E engana essa gente “cega”
Se essa moda ruim pega
Vou usar mil amuletos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!

 ARI:
Tem poeta sem respaldo
Metido a pesquisador
Tem cordelista impostor
Que o verso não dá um caldo
Essa semente eu escaldo
E não guardo em minha adega
Porque joio em minha sega
Tem o valor dos gravetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o diabo carrega!


* * *


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